sábado, 8 de março de 2014

A Náusea, Jean-Paul Sartre


[Leitura compartilhada com O Pintassilgo, Márcia Cogitare, Camila Zulli, Cíntia G., Cláudia Leister e quem mais tenha interesse]

Título: A Náusea
Título Original: La Nausée
Escritor: Jean-Paul Sartre (França)
Ano de Publicação: 1938
Editora: Nova Fronteira (Saraiva de Bolso)
Páginas: 234


Antoine Roquentin está escrevendo um livro sobre o Marquês de Rollebon, um personagem histórico. Para tanto, ele está residindo de forma temporária na cidade de Bouville, na França, e passa seus dias na biblioteca, na pensão em que está hospedado ou perambulando pelas ruas. Ele começa a escrever um diário quando percebe que algo estranho está acontecendo com ele: uma espécie de náusea que o invade e domina seus sentidos.

A Náusea é em parte um romance e em parte um tratado filosófico sobre o Existencialismo. A história de Roquentin nada mais é do que um pano de fundo para que Sartre explore as ideias que mais tarde ele aprofundaria em "O Ser e o Nada", seu livro mais famoso, o que torna A Náusea uma introdução perfeita para quem, como eu, nunca estudou a filosofia existencialista. A Náusea não apresenta as dificuldades terminológicas dos textos acadêmicos, mas pelo fato de boa parte da narrativa ser composta pelos fluxos de pensamento de Roquentin, a leitura é bastante desafiadora para um leitor que nunca teve contato com as ideias de Sartre.

Roquentin simboliza o ser humano que, por não saber o porquê de sua existência, sente-se isolado, angustiado e melancólico. A náusea que o personagem sente é uma incapacidade de sentir-se parte do mundo. Os objetos ao seu redor causam-lhe estranheza, a invisível passagem do tempo causa-lhe angústia e o contato com as pessoas soa-lhe artificial. Roquentin busca desesperadamente fazer parte do mundo em que se enconta inserido, encontrar um propósito para sua vida, mas se depara com um sentimento de profundo isolamento, chegando ao ponto de estranhar sua própria imagem refletida em um espelho, à semelhança do que acontece quando repetimos muitas vezes, em voz alta, uma mesma palavra, olhamos por muito tempo uma parte de nosso corpo ou pensamos conscientemente sobre nossa respiração. 

Não é difícil para o leitor identificar-se com Roquentin, já que Sartre fala sobre sentimentos e sensações que todos nós, seres humanos, já vivenciamos. É fácil sentir-se parte do mundo quando estamos trabalhamos em algo que gostamos, quando estamos cercados de amigos e familiares ou quando estamos entretidos, mas com a mesma facilidade com que nos sentimos integrados nos bons momentos, nos sentimos isolados nos momentos de dificuldade ou tédio. Quando assumimos o papel do observador, o mundo parece não fazer sentido e questionamos o porquê de estarmos vivos e o que nos leva a continuar querendo viver. É comum esse sentimento nos momentos de luto e não causa nenhuma estranheza o fato de a filosofia de Sartre ter florescido justamente no pós-guerra, quando uma geração inteira questionava o propósito de tantas lutas, mortes, crueldade e injustiça.   

A princípio, a filosofia de Sartre soa extremamente pessimista, já que para ele nossa existência não pode ser explicada. As vidas humanas não têm propósito algum. As ideias de Destino ou Deus são descartadas, já que "todo ente nasce sem razão, se prolonga por fraqueza e morre por acaso" (p.178). O cerne da filosofia existencialista é o fato de nossa existência ser anterior a nossa essência, ou seja, primeiro existimos e só depois damos uma razão para nossa existência. Essa ideia que à primeira vista parece aterrorizante tem a grande vantagem de libertar o indivíduo. Somos donos de nós mesmos e nossos valores e nossas vidas dependem apenas e tão somente de nós. O Existencialismo coloca o ser humano no centro, dando-lhe o poder de escolher seu próprio destino, mas dando-lhe também a responsabilidade de arcar com as consequências de suas escolhas. Com isso, a tão sonhada liberdade pode parecer um fardo, mas não deixa de nós permitir ser o que queremos ser.

Sartre também faz reflexões sobre o tempo. Roquentin percebe que a ideia de tempo é uma ilusão, que passado, presente e futuro sucedem-se sem intervalo e que nossas memórias não são confiáveis. Roquentin, por não possuir amigos ou familiares com quem compartilhar suas lembranças, sente ainda mais essa impossibilidade de apreender o passado:  
O passado é um luxo de proprietários. (...). Não se pode colocar o passado no bolso; preciso ter uma casa, arrumá-lo nela. Só possuo meu corpo; um homem inteiramente sozinho, só com seu corpo, não pode reter as lembranças; elas passam através dele. Não deveria me queixar: tudo o que quis foi ser livre (p. 92).
Mais do que um livro para ser lido, A Náusea é um livro para discutido, o que torna essa leitura compartilhada ainda mais instigante.

Vídeo do YouTube em que comento a leitura do livro:

2 comentários:

  1. Ótima resenha! Li algumas coisas do Sartre, mais filosóficas mesmo, mas acho que vou checar esse romance. Ele deve ilustrar melhor as teorias. Não conhecia aqui. Cheguei pela indicação da Ju Brina.

    Abraço!

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    Respostas
    1. Oi, Aline! Seja bem vinda! =D
      Eu tenho vontade de ler as obras filosóficas de Sartre (o Ser e o Nada está aqui na minha estante), mas tenho receio de o nível de dificuldade ser muito alto. Como eu disse, A Náusea é uma ótima introdução ao tema e o fato de ser um romance facilita muito a compreensão.
      Beijo!

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