quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A Festa de Babette, o Filme e o Livro


O LIVRO

Título: A Festa de Babette
Título Original: Babettes Gaestebud
Escritora: Karen Blixen (Dinamarca)
Ano de Publicação: 1956
Editora: Cosac Naify
Páginas: 55

A Festa de Babette é um conto da dinamarquesa Karen Blixen, escritora que foi muitas vezes cotada a receber o prêmio nobel de literatura. Ele conta a história de duas irmãs de meia-idade, filhas de um pastor protestante, que vivem em uma isolada cidadezinha na costa montanhosa da Noruega. Quinze anos antes da data em que a história ocorre, elas recebem a inesperada visita de Babette, uma francesa que está fugindo da Comuna de Paris de 1871, e a acolhem em sua casa. Passados muitos anos, Babette ganha a quantia de 10.000 francos na loteria e decide organizar um exótico jantar francês em memória do falecido pastor.

A Festa de Babette é uma história curta e bastante simples (o conto tem apenas 55 páginas), mas Karen Blixen a conta de forma genial. Sua linguagem é, assim como o jantar que Babette organiza, deliciosa, e a escritora consegue, de forma leve e divertida, tratar de temas bem profundos. Quando Babette, por exemplo, recebe a encomenda de uma tartaruga, que será um dos ingredientes do jantar, a reação de uma das irmãs, acostumada a uma vida religiosa de sacrifícios, é a seguinte:
Não ousava contar para a irmã o que vira. Passou a noite praticamente insone; pensava no pai e sentia que justo na noite de seu aniversário ela e a irmã cediam sua casa para um sabá de bruxas.
Todos os personagens do conto são interessantes, apesar de um pouco caricaturais. O dom que Karen Blixen tem para a escrita evidencia-se especialmente na descrição dos personagens, já que ela consegue, com poucas e eficientes frases de impacto, definir suas personalidades e vidas. Temos duas irmãs extremamente religiosas, que abriram de sua juventude, beleza e realização pessoal em prol de um ideal espiritual, uma cozinheira francesa com um passado misterioso, um cantor de ópera decadente e, o meu preferido, o Coronel Loewenhielm, que: 
(...) conseguira tudo o que almejara na vida e era admirado e invejado por todos. Somente que ele tinha conhecimento de um fato esquisito, que trazia inquietação à sua próspera existência: o de que não era perfeitamente feliz. Alguma coisa estava errada em algum lugar e ele cuidadosamente apalpava o próprio eu espiritual aqui e ali, assim como alguém aperta com o dedo para determinar o local de um espinho profundamente encravado, invisível.
É inesquecível acompanhar os habitantes dessa cidadezinha, um a um, renderem-se aos pés da culinária francesa de Babette, deixando de lado todas as suas preocupações metafísicas e religiosas, numa experiência sensorial de puro prazer e felicidade provocada pela comida.

Nota no skoob: 5 de 5.

O FILME (Projeto 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer)

Título: A Festa de Babette
Título Original: Babettes Gaestebud
Diretor: Gabriel Axel
Ano de lançamento: 1987 (Dinamarca)
Gênero: Drama

A Festa de Babette ganhou projeção mundial ao receber o oscar de melhor filme estrangeiro em 1988. O diretor Gabriel Axel optou por transferir a cidadezinha da história do conto de Karen Blixen da Noruega para a Dinamarca. A verdade é que essa história atemporal e universal poderia ter lugar em qualquer vilarejo isolado. Com exceção deste pequeno detalhe, o conto foi mantido praticamente intacto.

O filme leva vantagem sobre o livro porque nos permite acompanhar visualmente a preparação dos pratos por Babette, e qualquer um que já tenha assistido a um programa de culinária sabe como essa experiência é agradável, mas em compensação não nos permite usufruir da incrível linguagem de Karen Blixen, mesmo que a narradora da história muitas vezes se valha de trechos do conto. Assim, tanto o filme quanto o livro tem seus próprios méritos, e vale muito a pena conferir ambos.

O que mais encanta em "A Festa de Babette" é a fotografia. As paisagens dinamarquesas são belíssimas e a cidadezinha, apesar de constantemente assolada por chuvas e neve, fascina pela simplicidade e pelo isolamento. Os habitantes do vilarejo parecem aprisionados no tempo e no espaço, vivendo sem luxo algum. As roupas são de aldogão cru marrom ou branco, a alimentação consiste basicamente em peixe, sopa e pão, e o mobiliário, de madeira, é apenas o estritamente necessário. O ponto alto da vida nessa comunidade é a cerimônia religiosa que ocorre nos domingos, quando todos se reúnem e cantam. 

Stéphane Aldran está brilhante no papel de Babette. Sua personalidade alegre, expansiva e apaixonada constrasta fortemente com a personalidade das duas reservadas e castas irmãs, e enquanto Babette tem a pele bronzeada e o cabelo castanho avermelhado, Martina e Philippa são louras e brancas. Babette, extremamente grata pelo fato de as irmãs a terem acolhido, nunca questiona as ordens que recebe para cozinhar, mesmo que seja uma chef excelente, mas podemos ver, em uma bela cena do filme, ela sentada na cozinha com lágrimas nos olhos e o olhar perdido, o que nos relembra que Babette guarda silenciosamente as mágoas de seu passado. 

O filme, com sutileza e inteligência, nos mostra como a vida naquele vilarejo foi revolucionada pela chegada de Babette, e acompanhamos a cozinheira barganhando com o vendedor de peixes, divertindo o dono da mercearia, agitando a vida do carteiro por conta da chegada de uma carta proveniente da França, incrementando a insossa comida local com toques de tempero e assustando todos os habitantes, especialmente as duas irmãs, com suas exóticas encomendas de ingredientes para o jantar francês. A despeito da resistência local a mudanças, todos veem-se impotentes diante da presença artística, criativa e enérgica de Babette.

A Festa de Babette é um filme que pessoas de qualquer idade, sexo ou cultura são capazes de apreciar; sua mensagem, apesar de aparentemente simples, esconde uma crítica sutil aos excessos religiosos e à abstinência, que impedem as pessoas de experimentar as pequenas alegrias que a vida pode proporcionar, seja a euforia dos primeiros amores, o sonho de uma profissão, a beleza da arte ou o prazer da comida.

Curiosidade. O filme "Chocolate", de 2000, com Juliette Binoche e Johnny Depp, possui a mesma temática de A Festa de Babette, apesar de ter lugar em um vilarejo extremamente católico da França, o que reforça o argumento de que a mensagem do filme é universal e atemporal.  



Para ler a resenha sobre A Fazenda Africana, também de Karen Blixen, clique aqui.

Para ler a resenha sobre Sete Narrativas Góticas, também de Karen Blixen, clique aqui.


4 comentários:

  1. Oi, Eduarda! Estou lendo A fazenda africana, da Blixen e gostando muito! Devo ler mais coisas dela esse ano, faz parte do projeto Mulheres Modernistas que estamos fazendo no fórum. Eu vi A festa de Babette em meados dos anos 90, não lembro de quase nada do filme, mas assim que eu ler o conto vou querer rever, é claro. Ótima resenha. =)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Estou morrendo de vontade de ler "A Fazenda Africana", Lua! Vou procurar esse projeto Mulheres Modernistas no fórum. Beijo!

      Excluir
  2. Oi Eduarda! Nossa, acredita que eu não sabia que tinha um filme desse conto? A resenha me deixou com vontade de ler o livro logo, hehe! Beijos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Veja o filme, Gisele! Ele é fantástico! E dá para ler o livro e ver o filme em qualquer ordem. Um não atrapalha o outro.
      Beijo!

      Excluir